Pesquisar neste blogue

9 de fevereiro de 2009

Opinião válida

Exmo. Senhor,
Embora tenha jogado um ténis muito modesto, a qualidade de pai tem-me permitido, nos últimos anos, tirar algumas ilações sobre o que está menos bem na formação de tenistas de competição no nosso país, não só por mim, naturalmente, mas também em conversa com os meus filhos, com amigos, outros pais e diversas pessoas ligadas ao ténis de muitas maneiras. Como não sou de me ficar pelas ideias e acho que são as acções que dão sentido a essas ideias, resolvi dirigir-me a várias pessoas e entidades com algum poder para apreciar o que pensei e, eventualmente, agir em conformidade, assim tal lhes pareça com cabimento. O primeiro destinatário será sempre a Federação Portuguesa de Ténis, mas nem só ela pode modificar algumas coisas. Muitos podem colaborar, quanto mais não seja divulgando o texto que escrevi e pondo-o a discussão. Assim sendo, sem mais pretensões do que as minhas capacidades me deixam ter mas com muita vontade de ajudar a comunidade tenística, passo a enunciar os aspectos que se me afiguram primordiais para que a modalidade tenha um bom futuro no nosso país.
1.Questão Económico-Social
Quem tenha o mínimo de contacto com o ténis sabe que não se pode recusar esta evidência: o ténis ainda é um desporto de elites, no sentido em que é demasiado caro. A selecção dos atletas que vão para a modalidade é feita sobretudo com base no background económico e numa certa tradição familiar, excluindo os pobres e até muitos "remediados", os que desconhecem os meandros da modalidade e todos os que não se enquadram num perfil redutor da prática do ténis. Naturalmente, enquanto tal subsistir, não é possível o ténis ter os resultados de modalidades que qualquer um com apetência, gosto e jeito pode seguir. Por vezes, no começo, o ténis até está ao alcance do bolso de um número razoável mas quando começa a ser necessário pagar mais aulas, ter mais material, fazer longas e dispendiosas deslocações para jogar… cai sobre os candidatos ao ténis de competição uma peneira que quase nada deixa passar. Acredito que a criação de um Centro Nacional de Treino, que concentre as verbas que têm andado dispersas em torno de bons e aplicados jogadores, possa ser um bom princípio de solução, segundo um sistema que recompensa com meios para a prática competitiva da modalidade os que já mostraram talento e não têm dinheiro. Por outro lado, não sou adverso a que a FPT e outras entidades estabeleçam limites máximos para o preço das aulas de ténis, tal como é normal em muitas profissões. Além disso, tem que haver um lobbie que force à mudança da legislação, dando incentivos aos patrocinadores e facilitando o estabelecimento de contratos de patrocínio, quer em material quer sobretudo em dinheiro.
2.Questão Territorial
Já disse que a criação de um Centro Nacional de Treino (no Jamor) pode ser um grande passo em frente em relação à situação actual. Porém, muito melhor seria criarem-se vários centros nacionais ou regionais de treino. Em termos de instalações, elas talvez até já existam. Temos a Maia, Lousada, Espinho e o Monte Aventino, para dar alguns exemplos a Norte. Existem instalações em Coimbra, Leiria e agora Caldas da Rainha, mais ao Centro. O Algarve conta com boas infra-estruturas em Vilamoura, Vale do Lobo, Faro, Portimão, etc. Só que para completar um verdadeiro quadro nacional, será igualmente necessário desenvolver o ténis nas Regiões Autónomas, no Alentejo, em todo o Interior do país, em Trás-os-Montes e onde quer que haja potenciais tenistas. Se calhar, o primeiro passo será a substituição de uma série de Associações Regionais que não estão a funcionar, por outro tipo de orgânica e empenho. É necessário fazer contratos-programa com Autarquias, para que deixem de existir campos de ténis por esse país fora abandonados por ninguém os usar. Em Porto Santo, Rio Maior, Ourique, Condeixa, Ermesinde, Alcanena, Fundão, Régua, e muitos outros casos, há campos, não há é utilização sistemática desses campos e, quanto a mim, só quando todo o território nacional possibilitar a prática do ténis a um máximo de 20 ou 30 kms da área de residência é que Portugal poderá ter um ténis verdadeiramente muito evoluído.
3. Questão das Infra-Estruturas
O que fica dito não excluí a necessidade da construção de muito mais infra-estruturas, especialmente cobertas e com um número de campos que cubra todas as potenciais necessidades, bem como instalações de apoio ao nível médico, da preparação física, repouso, restauração, etc. Muitas Autarquias estão dispostas a avançar com bons projectos, sobretudo nas localidades onde há menos alternativas para os jovens, só que têm que ser contactadas.
4. Questão Técnica
Nos últimos anos, tem sido notável o esforço da FPT e dos próprios treinadores de ténis para credibilizar esta profissão. A exigência do curso de treinador para desempenhar diversas funções é disso bom exemplo. Simplesmente, ainda não chega. Não é em dois ou quatro dias que se deve tirar um curso de treinador. É necessária mais qualificação. O empirismo tem o seu lugar e um grande valor, a experiência não pode ser substituída por nada, mas tem que haver um maior complemento ao nível da formação e talvez mesmo académico. Conferências, congressos, estágios, livros e Internet podem ser bons suportes do processo de capacitação. Acrescentaria, que o que vale para os treinadores terá também que valer para outras profissões: preparadores físicos, fisioterapeutas, massagistas, enfermeiros, psicólogos, gestores desportivos, técnicos de marketing, relações públicas, etc.
5. Questão Promocional
Não basta que existam campos e professores. É necessário que essas aulas de ténis sejam publicitadas, o que só vejo fazer em cerca de metade dos clubes. Acresce que essa publicidade tem que ser tanto atractiva como verdadeira, realçando a existência de uma actividade e salientando os seus pontos fortes, mas também apresentando preços (que se esperam aceitáveis), as qualificações dos professores e tudo o mais que seja relevante. Se se juntar a este tipo de prática uma campanha nacional de promoção/divulgação do ténis onde ele pode ser efectivamente promovido e divulgado, nos principais media, estaremos ainda melhor. Ficará a faltar somente a existência de programas de ténis escolar verdadeiramente disseminados e abrangendo algumas práticas em diversos anos lectivos.
6. Questão Escolar
Os tenistas formam-se em idade escolar e no nosso país os horários escolares são extremamente sobrecarregados. Que fazer? Para já, tem que se propor aos legisladores a autorização de modelos de ensino alternativos, na linha do que se faz lá fora: estudo à distância pela Internet e estudo domiciliário, por exemplo. Fora disto, ainda se pode mostrar aos legisladores a utilidade que pode ter antecipar a idade a partir da qual se pode estudar à noite. Tudo isto falhando, restam acordos caso a caso com escolas para tentar proporcionar aos jovens desportistas de competição horários compatíveis com a sua condição.
7. Questão Funcional
O ténis português é, como será fácil constatar, um meio muito pequeno, o que tem justificado diversas acumulações de funções. Há treinadores que são simultaneamente dirigentes e outros que são treinadores e vendedores de material desportivo. Há dirigentes de clube que também são dirigentes de associações regionais. Temos árbitros que são simultaneamente jogadores, dirigentes ou treinadores. Promotores de eventos são jogadores. Familiares de jogadores arbitram. Isto não faz sentido nenhum. Basta pensar que não se verifica em mais nenhuma modalidade de que eu tenha conhecimento. Quando as pessoas das outras modalidades sabem disto, riem-se de nós.
8. Questão Organizativa
Esta questão é transversal em tudo e é também transversal a todo o ténis português. As estruturas federativas e associativas têm que estar mais perto de jogadores, treinadores, árbitros e demais agentes desportivos. Ultimamente, tem havido uma clara aproximação dos trabalhos dos vários seleccionadores nacionais e este é um ponto em que se tem que insistir para não criar descontinuidades. O PNDT tem também sido um bom princípio, mas tem que se prolongar o acompanhamento que aí é feito nos escalões etários superiores. Juntamente, há várias arestas a polir que, cada uma por si não significa muito, sendo porém passos no sentido de uma melhora: os rankings deviam sair em datas certas, o calendário federativo devia sair logo com todos os dados relevantes para cada torneio (local, por exemplo), faz falta existirem mais relatórios do que se passa a nível regional na FPT, o site da FPT passou a ser demasiado complicado para os utilizadores, entre outros exemplos.
9. Questão Normativa
Nos últimos anos, quanto a mim sem significativos benefícios, acertando nalguns aspectos mas também falhando noutros, os regulamentos federativos têm-se sucedido a uma velocidade vertiginosa, deixando-nos a todos uma sensação de incerteza sobre as disposições que ainda são válidas e transformando o conhecimento das normas, outrora bem simples, numa tarefa só ao alcance de meia dúzia de pessoas profundamente familiarizadas com elas. Questão MentalA História dá-nos alguns bons exemplos que devíamos tentar seguir. A grande ascensão do ténis australiano, sueco, espanhol, argentino ou russo teve um denominador comum: o espírito de unidade. Muitos podemos testemunhar a amizade que se sente entre os vários tenistas espanhóis, juntos em centros e programas de treino desde muito jovens. O Nadal talvez não tivesse chegado a nº 1 ATP se não fosse a experiência que lhe transmitiu o amigo Móya, ele próprio ex-número 1 mundial. Sampras sempre realçou o companheirismo entre ele e Courier no trajecto de ambos até ao topo da modalidade. Steffi Graf evoluiu treinando com Boris Becker e, porque não, Becker evoluiu treinando com Graf. Em Portugal, o que se vê é cada um a puxar para o seu lado. É triste e tem consequências muito negativas, todavia talvez resida aqui o aspecto mais difícil de mudar. Aliás, em regra as mentalidades são o mais difícil de mudar.
10. Questão Familiar
O ténis nacional popularizou a expressão "paitrocínio", símbolo do isolamento das famílias dos tenistas, jovens e menos jovens. É evidente que têm que se angariar verdadeiros patrocínios e até já falei disso acima. Contudo, muitas vezes o que mais falta às famílias é até o diálogo com outros agentes desportivos, palavras de apoio e compreensão. Não pode continuar a acontecer, como amiúde se vê, os treinadores dos filhos considerarem automaticamente os pais uma espécie de inimigo que se quer afastar, um estorvo, um inconveniente. Pelo contrário, as famílias têm que ser encaradas como aquilo que normalmente são: mais-valias. Claro que há pais, sobretudo nos primeiros anos de formação dos filhos, altamente inconvenientes, o que não significa que a regra seja esta.
11. Questão de Escolha
Os pais, a família e os amigos devem igualmente apoiar os tenistas, sobretudo os mais jovens, na tomada de opções que todo o percurso exige. Quanto a mim, é útil que, cada vez mais, se diga não à falta de qualidade e se afastem as propostas tenísticas que não interessam. Se o treinador não está motivado nem ajuda a motivar, se se transformou num mero vendedor de raquetes aos seus jogadores, se abomina acompanhar os atletas a torneios, não serve e há que lhe dizer isso. Se o clube pratica preços excessivos para os serviços que fornece, há que protestar. Só falando as coisas, com seriedade, se poderá melhorar. Obviamente, fora dos grandes centros urbanos não há muita escolha entre clubes ou treinadores.
Com os melhores cumprimentos desportivos,
Miguel Santos(Lisboa)